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Breve comentário sobre o preconceito no Twitter

O twitter amanheceu hoje [segunda-feira] com uma enxurrada de preconceitos contra moradores da região Nordeste por conta da expressiva votação que a região garantiu à presidente eleita Dilma Roussef. Os microposts foram extremamente ofensivos e degradantes. O segundo turno mais baixo nível de todos os tempos só podia terminar dessa forma, revelando o que há de mais obscuro na alma das pessoas.

Todo mundo erra – eu sou um dos piores. E estes momentos são didáticos para que aprendamos com esses erros, façamos correções de rumo e possamos nos reconstruir e construir uma sociedade melhor. Mas há algumas coisas que li por lá e fiquei assustado.

Ao mesmo tempo, colegas jornalistas receberam spams que defendiam a necessidade de separar o Estado de São Paulo e a Região Sul do restante do país por conta do resultado da votação. Nada sobre juntar quem não concorda com o governo eleito e fazer uma oposição firme, programática e responsável. Até porque, como sabemos, a tática do “perder e levar a bola embora” é super madura e fortalece a democracia. Tudo bem, é meia dúzia de pessoas que acha que “São Paulo é meu país”, mas estes reproduzem em profusão argumentos na internet, também estranhos e mais palatáveis, feito Gremlins.

Além do mais, se São Paulo se separasse do restante do país, como defende meia dúzia de analistas de boteco, daria um jeito de continuar superexplorando trabalhadores de outros lugares. Ao invés do migrante nordestino, seria o imigrante brasileiro. Da mesma forma que a gente faz com o bolivianos, paraguaios e peruanos.

Por mais que o filme original não seja um primor de roteiro e de execução, seria extremamente didático para esse pessoal que espuma preconceito se houvesse uma versão tupiniquim do norte-americano “Um Dia sem Mexicanos”. A idéia da película simples: os imigrantes latino-americanos, que custam algumas centenas de milhões em serviço social e retornam bilhões em mão-de-obra, um dia somem da Califórnia – para a alegria dos xenófobos. Mas a vida se torna um caos com o sumiço deles. Por aqui, seria algo como “Um Dia sem Nordestinos”, com roteiro gravado em São Paulo:

A socialite acorda e vê seu poodle completamente despenteado. Tem um piti e grita pela empregada responsável pelo serviço. Nada. O empresário chega de seu cooper matinal e percebe que seu suco de laranja não está espremido como devido. Grita pelo mordomo. Nada. O editor reclama que o fotógrafo não apareceu para entregar a imagem que prometeu. Nada. O cantor postar não aparece para o show e duas amigas, nervosas porque a maquiagem começa a derreter na pista de dança, entram em estado de pré-pânico. Nada.

“Deve ser enchente na favela. Ela nunca falta, sabe? É pobre, mas tem caráter. Nunca sumiu nada lá em casa.”/”É o quarto dia que aquele sujeito não vem. Sabe o que é isso? É o Bolsa Família! Torna as pessoas vagabundas. Deve estar bebendo em um bar”/ “Combinei uma coisa com ele e ele não veio. Esse povinho do Nordeste, viu?” / “Por isso que eu sempre digo: coloca mais duas horas no tíquete de show desse povo, viu amiga. É questão de cultura, sabe? Não é que nem nós, que tivemos criação.” (agradeço aos leitores e leitoras pelas sugestões)

E por aí vai. Até porque, como todos sabemos e o preconceito rastaquela paulistano reafirma diariamente, os nordestinos em São Paulo estão apenas em ocupações subalternas.

Seja na superfície, através de risinhos, ironias e preconceitos, seja estruturalmente, via baixos salários e uma desigualdade gritante, já passamos o recado de quem manda e quem obedece. Direitos sociais e econômicos já são sistematicamente negados. Agora passamos a dizer não também aos direitos políticos? Qual o próximo passo? Revogar a Lei Áurea?

Por Leonardo Sakamoto

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  1. Emmanoel Jetro | nov 2, 2010 | Reply

    Muito bom o texto!!!

    Ah, se for revogar a lei Áurea que façam logo, pois quero sentir alguns açoites nas costas!!!

    Não sei como a polêmica não incluiu Tiririca, ele foi eleito por quem?

  2. Pri | nov 2, 2010 | Reply

    Lembro de minha cunhadinha leoa-do-norte em Sampa… fazendo um doutorado básico… Tomara que essas coisas não a tenham atingido.

  3. Meg Banhos | nov 2, 2010 | Reply

    Vale salientar que não e só trabalho escravo exercido pelos nordestinos em SP. Muitos estão nas universidades, nos MBA’s e no mercado concorrido dando um show de exemplos de grandes profissionais.
    Pensar no exemplo de “Um dia sem nordestinos ” é tão preconceituoso quanto. É assinar atese de que gente de verdade só serve para servir aos paulistas e daí viria o caos com a falta que fariam. Tipo: ‘Tá vendo como eles são importantes?, sem eles, vc não seria tão bem tratado!”- Como se nordestino só pudesse ocupar castas inferiores. Infeliz colocação, embora a lógica faça todo sentido. Enquanto pensarmos desta maneira, sempre estaremos todos no mesmo saco. E olha que eu nem sou nordestina!

  4. Aleexandre Araújo | nov 3, 2010 | Reply

    Belo texto Leonardo. É triste ver essas coisas acentecerem em pleno século 21. Sou paulistano e adoro essa cidade, mas tem uma galera completamente sem noção.

27 Trackback(s)

  1. From Alunos da Metô | nov 2, 2010
  2. From Marcelo Junior | nov 2, 2010
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