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Autor de Nova Gramática diz ser difícil brasileiro seguir regras da língua portuguesa

“É difícil insistir em normas para a língua num país que adora desobedecer a regras”, define Ataliba de Castilho, autor da Nova Gramática do Português Brasileiro, lançado em abril deste ano.

Professor titular aposentado da USP e da Unicamp e um dos idealizadores do Museu da Língua Portuguesa, ele diz que os autores do livro didático Por uma vida melhor, que dedica um capítulo ao uso popular da língua, estão empenhados em discutir a amplitude e a criatividade da língua portuguesa, além do conceito de certo e errado estabelecido pela norma culta. O livro é adotado pelo MEC (Ministério da Educação) para a Educação de Jovens e Adultos (EJA).

“As pessoas estavam acostumadas com a ideia de que só há um jeito de falar. Mas agora há a percepção de que a língua é heterogênea e que há vários modos de se dizer a mesma coisa”, afirmou em entrevista ao Poder Online.

Poder Online – Como autor da Nova Gramática do Português Brasileira, como o senhor tem acompanhado as discussões a respeito do livro Por uma vida melhor, adotado pelo MEC para a Educação de Jovens e Adultos (EJA)?

Ataliba de Castilho - Essa discussão foi por um caminho errado, mas sem querer acertou numa outra coisa em que não se estava pensando. A discussão está errada porque o julgamento do livro não leva em conta que ele apresenta as regras de concordância do português padrão, que é o português da escola, e depois mostra como as pessoas aplicam essas regras na variedade popular. Mas o lado positivo é que essa querela colocou na rua um tipo de discussão que tem sido desenvolvida nos últimos vinte anos dentro das universidades e nos órgãos que administram o ensino. Essa discussão tipicamente acadêmica foi tirada dos muros da universidade e jogada na rua.

Poder Online - Em entrevista ao iG, o professor Evanildo Bechara afirmou que, ao lidar com  a questão da variedade popular em sala de aula, está se está tirando o do professor o elemento fundamental da educação: o interesse para aprender mais. Como o papel do professor entra nessa discussão?

Ataliba de Castilho – A questão que se deve levantar agora é: como vamos ensinar o padrão culto da língua a alunos que não vêm apenas da classe média urbana? Os professores de português, e aí o professor Bechara tem toda razão, jamais ensinariam um padrão que não seja de prestígio, que não seja o padrão culto. Ninguém quer que os seus alunos deixem de progredir em suas vidas. E para progredir, isso em qualquer sociedade humana, não só no Brasil, é preciso se conformar à classe de prestígio. Mas quando se transforma o ensino em uma lei geral, é que aparece o problema. Os alunos que não conhecem a variedade culta passaram a ir para a escola. E como agir? O professor faz de conta que não vê aquele aluno, que a língua dele não existe e que tudo o que ele fala está errado? Se agir desse jeito, o professor afastará o aluno do aprendizado. O ideal é que o professor leve os alunos a refletirem sobre os diferentes modos de dizer a mesma coisa. Foi isso que a autora do livro fez.

Poder Online - Como o senhor acha que um professor de escola pública recebe e trabalha com os livros que estimulam os alunos a refletir sobre os diferentes modos de dizer a mesma coisa?

Ataliba de Castilho – Aí colocamos o dedo na ferida. Estamos, de fato, no olho do furacão. Estamos mudando a clientela do ensino fundamental, mas os professores continuam a ser preparados pelas faculdades de letras – preparados entre trinta mil aspas – para não saber como cuidar dessa situação. Ou seja, eles não estão sendo preparados para enfrentar a nova clientela que está nas escolas. E aí surgem muitos equívocos. Mas não se pode condenar os professores de português. É difícil insistir em um conjunto de normas para a língua num país que adora desobedecer todas as regras. Isso desde as autoridades federais, passando pelas estaduais até as municipais. O professor de português entra em confronto com a realidade: na sala de aula, ele diz que é preciso ter certos padrões, levar em conta certas normas e regras, mas no mundo fora da escola o que se é vê é o contrário. Não adianta cair de pau em cima do professor de português porque ele não consegue preparar os seus alunos. É lógico que ele não consegue: quando o professor abre a boca para explicar essas coisas, os alunos começam a rir por dentro. Ou pior: começam a rir por fora mesmo.

Poder Online - Há uma solução que possa auxiliar o professor em sala de aula?

Ataliba de Castilho – A ciência, tanto a pedagogia, quanto a linguística, sabe qual é o caminho. Mas não se consegue aplicar isso em sala de aula por causa do comportamento dos alunos. Um outro problema é que, tradicionalmente, os professores dão respostas para questões que os alunos não fizeram. Isso explica o desinteresse. Mas, ao invés de a aula ser um espaço em que se vai para saber o que é certo e correto, é preciso transformar a aula em um espaço de debate e discussão sobre a língua. Aí, sim, funciona porque, na ciência da linguagem, não há uma única resposta certa. O certo e errado só existe quando se reduz a língua à variante culta. Às vezes penso que os brasileiros foram treinados, por todas as situações históricas, a ser uma gente obediente, não criativa. Uma gente que está acostumada a perguntar se está certo ou errado. Não seria melhor perguntar: eu falei claro, eu escrevi claro?

Via IG

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